O sertão é muito mais forte do que vocês pensam


Ser nordestino, “cabra da peste”, aboiador, tomador de pinga, criador de bode, andar nos botecos ou tomar uma debaixo do umbuzeiro. Como a cultura nordestina é ampla, grandiosa, rica e incomparável.
Lembro-me quando era criança, nas manhãs de domingos gostava de ir à roça dos meus avôs. Lá conhecia um senhor chamado Seu Manel, cabra gente fina, simples e humilde. Adorava fumar um tal de “pacú” – um cigarro feito de papel e fumo –, enquanto olhava os seus bodes, cabritinhos... Eu ficava observando a alegria dele em ver os cabritinhos crescendo, ganhando peso, aqueles bichos eram sua alegria.
O tempo passou e por motivos de realização profissional vim morar na capitá. No entanto, jamais esqueci minhas raízes. Semana passada fui passar um final de semana em Bonfim.

Manhã de sábado, cheguei para minha mãe e falei:
─ Mãe quero comer bode assado na brasa! Vamos à feira comprar?
─ Meu filho, bode aqui em Bonfim está mais difícil do que achar esmeralda.
Questionei:
─ Como assim? Não se vende mais bode na feira?
Ela respondeu:
─ Vender até se vendi, mas é ilegal e difícil encontrar. O abate foi proibido e só pode ser feito em locais adequados.

Fiquei imaginando quantas pessoas estão sendo prejudicada. Mesmo sabendo da proibição, estava decidido e com vontade de comer carne de bode. Fui à feira, procurava e procurava... Vi um cabra conhecido, me aproximei e o reconheci, era Seu Manel:

─ Seu Manel, meu velho, quanto tempo! Como está o senhor? Vendendo um bodezinho?
─ Galeguinho! Eu tô bem meu filho, sobrevivendo... Até meus bodes que crio com tanto suor, tão querendo proibir de vender. Tenho que levar a feira para casa e dar o que “cumer” aos meninos para isso tenho que vender escondido aqui para os “homi” não pegar.

Em gesto de solidariedade comprei-lhe o bode todo. Fiquei feliz em encontrar um cabra tão querido e ter encontrado o tal do bode.
Voltando para casa, fui matutando pelo caminho e minha indignação aumentava com a situação que com certeza outras pessoas como Seu Manel em Bonfim e região estão passando. Nunca em 22 anos de vida, fiquei sabendo que alguém morreu ou passou mal porque comeu carne de bode que não foi abatido seguindo os padrões da vigilância, ADAB e etc.
Procurei saber o que à administração municipal e os demais vereadores estavam fazendo para tentar solucionar esse problema. Até então, não obtive nenhuma resposta, aliás, fiquei sabendo que o criador de bode, se quiser vender, tem que arcar com as despesas do transporte e abate para que a carne de fato seja comercializada.
É revoltante! Será que pessoas como Seu Manel tem condições para pagar? Claro que não! Por trás daquele cabra aparentemente forte, existe o velho sofrimento da vida no sertão. Seu rosto era marcado pela seca, pelo sol escaldante e pela desvalorização da sociedade perante o homem do campo.
Vocês deveriam se preocupar era com o crescimento da violência que está cada vez maior na cidade, promover políticas públicas com maior intensidade, combater o tráfico de droga – o bicho ta pegando , buscar novos empreendimentos para criação de novos empregos, incentivarem o esporte e preservar nossa cultura.
Deixem o velho Manel vender seu bode, assim como outros criadores que lutam a cada dia que o sol nasce usando aquele velho gibão nas costas e chapéu de couro na cabeça, sem perder a esperança da vida e preservando gerações que passam de pais para filhos.
Prezado gestor municipal, vereadores, como um cidadão bonfinense, exijo uma resposta sobre o assunto abordado e quais soluções estão sendo tomadas para resolver o problema.

Ângelo Murilo Bartilotti
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