A GUERRA DE ESPADAS E A TRADIÇÃO...



Anteontem, estive na Câmara de Vereadores desta cidade para ver e ouvir a discussão entre vereadores, secretários municipais, advogados, espadeiros e promotores de justiça sobre os incômodos que tem causado a tradição da Guerra de Espadas.

Os espadeiros, os secretários municipais, os vereadores, advogados, estudantes e boa parte da população falavam emocionados a favor da “tradição”: “Devemos manter a tradição!”. Alguém: “Desde pequeno eu participo da Guerra de Espadas, ela não pode acabar...”. Outro: “Temos que transformar a guerra de espadas em patrimônio cultural!”. Quase todos estavam de acordo que a tradição deveria ser mantida e que o promotor e a promotora, que foram esclarecer a proibição da guerra em certos locais, eram vilões que queriam destruir a tradição.

Eu cresci nesta cidade e, como a maioria, sei que a Guerra de Espadas é uma tradição. Inclusive, já fotografei este evento por cinco anos e levei a exposição para Portugal. Lá, a beleza do espetáculo chamou muita atenção para a Guerra de Espadas. É linda mesmo... Mas, não acho que a palavra tradição traga em si uma legitimidade que torna tudo que é tradicional bom e plausível.

Em todos os tempos, inclusive nos atuais, pessoas já foram, e ainda são, perseguidas, mortas e torturadas em nome da tradição.

Felizmente, muitas tradições foram rompidas e por causa deste rompimento coisas muito boas aconteceram: as mulheres deixaram de se submeterem a uma sociedade tacanha e machista; os negros estão, pouco a pouco, encontrando o seu lugar de direito numa sociedade com vícios colonialistas; os gays estão podendo, pouco a pouco, assumir sua condição, sem muitos constrangimentos; a crença em um Deus que não seja cristão, não leva mais ninguém à fogueira, e, é até possível uma discussão como a de anteontem à noite na Câmara de Vereadores, por exemplo. Tudo isso só foi possível com a quebra de infinitas tradições, como o coronelismo. Hoje podemos nos reunir e, juntos, decidir o que fazer para melhorar uma tradição: a Guerra de Espadas...

O que os promotores e o representante do corpo de bombeiros pretenderam dizer para uma parte da população desta cidade, foi: há outra parte da população desta mesma cidade que está sofrendo danos em suas casas, em suas ruas, em sua saúde... E, não temos o direito de manter uma tradição, mesmo que seja uma minoria da população a sofrer com os seus efeitos.

Os promotores tentaram explicar, perguntando para a população da cidade de Senhor do Bonfim, se esta tradição está causando danos a algumas pessoas, como o filho de um fulano de tal que tem problemas respiratórios graves e que está sofrendo muito com a fumaça que entra em sua casa todos os anos... Este pai, esta mãe, este filho que está sofrendo devem ser ignorados em nome de uma diversão, de uma tradição? Acho que não.

Além do mais, os promotores deixaram claro que a Guerra de Espadas não vai ser proibida, nem pode, mas que o percurso e a definição dos locais mais adequados para a segurança, tanto dos espadeiros quanto do resto da população, devem ser discutidos e resolvidos para que tenhamos a oportunidade de aproveitar um São João que não agrida o direito do outro, o patrimônio do outro, a saúde do outro...

Eu sou a favor da Guerra de Espadas, mas esta bela tradição junina tem que se submeter à evolução das nossas consciências. Devemos concordar que algo não pode ser justificado como bom apenas por ser uma tradição.

Para todos, desejo um São João tradição de muita paz, respeito, alegria e compreensão.

Viva, São João!

por Marcos Cesário
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