"SÃO JOÃO DA TRADIÇÃO?" ARTISTAS CRITICAM SUFOCAMENTO DA CULTURA BONFINENSE

Sanfona, pandeiro e zabumba.

A cultura unifica a nação, esta premissa básica é suficiente para a presente analise em que se aponta a
descaracterização da cultura popular nordestina especificamente o são João no interior da Bahia. Mesmo diante da diversidade da identidade sertaneja, por exemplo, percebemos que alguns elementos externos ultrapassam valores tradicionais com raízes marcantes da fantástica miscigenação brasileira e que fogem aos princípios do momento vivido.

Quando se fala em cultura, tudo ou quase tudo cabe. Porém, quando numa brincadeira infantil gritamos “cada macaco em seu galho”, estamos querendo acordar que existe um lugar para cada um e um momento para cada coisa. O comediante e compositor baiano, Gordurinha, dizia que “chicletes ele iria misturar com bananas”! Mas, só quando o Tio San pegasse no tamborim. Seguindo este raciocínio, fica a dica: não faça esta mistura de forma tão radical, isto é um choque para uma cultura construída ao logo de tantos anos de festa e alegria intrínseca a forma de ser do povo do nordeste brasileiro e aqui falamos especificamente do povo baiano e bonfinense.

Será que as senhoras e senhores que dedicaram suas vidas para fortalecer e manter viva a história cultural de Senhor do Bonfim merecem este desrespeito? Perdoem-nos os organizadores que acreditamos não terem medido esforços para planejar, fazer uma consulta popular com as classes e pessoas responsáveis pela tradição dos festejos juninos em Senhor do Bonfim, gente que entenda de alimento a transporte, de hospedagem a segurança, da fé ao divertimento.

Ironia? Claro que sim! Porque acreditamos na transformação da cultura, mas, não na banalização e desrespeito com o esforço coletivo de um povo que vêm doando a muitos anos suas mais profundas convicções para manter vivo a essência do forró, da roda cantada, das bandas de calumbis, da magia do trio: triangulo, sanfona e zabumba, das luzes e brilhos dos fogos explodindo em alvoradas, vivas a Santo Antônio, São João e São Pedro; Sem esquecer Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Zé Anastácio e Eliziario, Neném Fogueteiro e tantos outros mestres e mestras desta brava gente bonfinense.

Antes que digam, não se trata de ufanismo ou saudosismo caricaturado. O que provocamos aqui é uma reflexão sobre o valor cultural e a importância para as gerações futuras de se manter a memória dos homens e mulheres que fizeram e fazem a história de Senhor do Bonfim.

Assim, se ouvirdes uníssono que desde o início de junho em Senhor do Bonfim chega de paredão, lek-lek, pagodão, músicas eletrônicas, e todos os pacotes massificadores. Não estamos ocultando uma face oculta do moralismo ou da censura disfarçada. O que queremos é manter a ética, respeitando a memória dos mais velhos e garantindo a acessibilidade aos mais novos no gigantesco terreiro da tradição cultural.
Outro lado da moeda Ao observar o circuito cultural bonfinense na atualidade percebemos que blocos como Jegue elétrico, Feixo de Lenha, Bico do Urubu, Me cutuca e o sfrega só para citar os mais famosos, são opções incentivadas pela iniciativa privada e de interesse comercial autêntico dentro do sistema capitalista vigente e que, até que se possa criar um sistema mais coletivo e autossustentável da economia, permanecerá esta forma dominante inclusive no campo cultural porque a economia gerada com a indústria dos divertimentos é a que mais cresce no mundo e em Senhor do Bonfim não é diferente. Porém, para que outras opções como calumbis, roda do palmeira, samba de lata e outras manifestações se fortaleça será necessário a intervenção do Estado.

Mas, contudo, o Estado que tem a obrigação de garantir o direito de cada cidadão como afirma a constituição federal no Artigo 215. “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Assim, entendemos que uma vez em que “todos são iguais perante a lei”, é preciso garantir direitos e respeitar a diversidade. O empresário tem a liberdade de oferecer um serviço e o público o livre arbítrio para comprar ou não o ingresso isso é um fato! Mas, a maioria das pessoas não são obrigadas a ouvirem e dançarem no mesmo compasso capitalista imposto dentro desta logica: coma, beba, dance e dance! Por tanto o poder público tem a obrigação de respeitar e fazer cumprir a lei.


Assinado: Núcleo Aroeira de Arte
(Associação Artística, Cultural e Educacional do Semiárido Baiano)
Postagem Anterior Próxima Postagem

PUBLICIDADE