ARTIGO: O REENCONTRO COM A GENTIL MOTORISTA LOURA


Pleno rigoroso inverno montrealense, mês de março de dois mil e quatorze, vivi uma experiência interessante, em um quase chegar da noite na então cinzenta cidade canadense. Compras à mão, abrigado em cachecol, pesado casaco, luvas e gorro, aguardava o momento de desembarcar no costumeiro ponto da comprida Avenida Van Horne. Esperei o tempo suficiente para perceber a desenvoltura da bela motorista loura do ônibus 161. Óculos cor de rosa, um bouquet de flores à frente do seu volante, desdobrava-se em gentilezas aos passageiros que subiam e desciam. A todos recebia ou despedia com um sorridente "bonjour", e tudo fazia para tornar brilhante a soturna paisagem hibernal.

Ao descer do coletivo, fui surpreendido por um gesto que marcou a minha memória: a ainda jovem profissional saiu do seu assento e volante, pediu que eu esperasse, desbastou com sua bota o quase meio metro de neve que tornava estreita a minha descida no pedido ponto, depois retornou, pegou em meu braço e me conduziu são e salvo à calçada. E a tudo arrematou em um francês melodioso, dizendo-me "tenha um belo final de dia, senhor!"

Deste dia e fato em diante, pensava em uma forma de retribuir a gentileza da gentil motorista loura, o que tentei fazê-lo comprando um chaveiro com um belo urso panda, que levei em minha bolsa durante três longos meses, na esperança de reencontrá-la em uma das inúmeras viagens que fizera. Por fim, prestes a viajar ao Brasil, resolvi deixar o pequeno presente com alguma motorista do mesmo ônibus 161, dando-lhe a incumbência de fazer chegar a uma motorista da qual não sabia o nome o já entristecido urso panda (rs rs). Contei o ocorrido, e dei os detalhes para a motorista que me informou que eles (e elas) atuavam em diversas linhas e bairros, sem designação fixa, e aceitou levar à frente minha missão. E ela me garantiu que encontraria a gentil motorista loura entre os quase dois mil motoristas da rede municipal de transporte, e diria que "um brasileiro, de retorno a seu país, agradecia o gesto solidário de uma tarde cinzenta de inverno."

Já em pleno verão, esta semana, viajando no movimentado ônibus da linha 55, que serve ao extenso Boulevard Saint-Laurent, encontrei ao volante a bela motorista loura do gesto gentil de um inverno de março. Reconhecemo-nos, como se tivéssemos esperado este momento de reencontro, e antes que eu perguntasse alguma coisa, ela sorriu, voltou-se no seu assento, e tocou no pequeno urso panda que estava pendurado acima de sua cabeça, agradecendo o pequeno presente recebido.

Não lhe perguntei o nome, embora pudesse fazê-lo. Enquanto ela me cumprimentava à saida, desejando-me que passasse um "belo final de dia", senti a alegria do agradecimento que lhe enviara um dia. Quem sabe, na hora em que menos esperar, encontrarei, novamente recompensado, em uma das linhas de ônibus da grande Montreal, a bela e gentil motorista loura de óculos cor-de-rosa...


Paulo Machado
Montreal, 07 de julho de 2014
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